Entrevistas

Professora Dar. Ercília Steinke – UNB

Entrevista ao Blog de Biogeografia e Climatologia da Universidade Federal de Viçosa-MG. Data Maio de 2015.

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1. Bioclima: Profa. Ercília, o nosso blog tem muitas acesso de alunos do ensino médio e fundamental. Então a primeira pergunta vem dentro do contexto da variação sazonal. A cidade de Brasília. Qual é o seu comportamento sazonal, quanto à pluviosidade e a temperatura e sua relação com a incidência de doenças do aparelho respiratório?

A cidade de Brasília, assim como todo o Distrito Federal, apresenta as características climáticas do Centro-Oeste, ou seja, verão chuvoso e inverno seco. A estação chuvosa se inicia em outubro e vai até meados de abril, e a estação seca se prolonga de maio a setembro, sendo setembro o mês mais quente e seco. O nosso clima é classificado como Tropical do Brasil Central com 4 a 5 meses secos. A temperatura média anual é de cerca de 21 C, podendo ultrapassar os 32°C em setembro, e chegar a 12°C nas madrugadas de inverno, em julho. Ressalto, porém, que durante o dia, na seca, em função da elevada incidência solar, as temperaturas se mantêm elevadas. A umidade relativa do ar varia muito durante o ano, podendo chegar aos 20% ou, muitas vezes, menos durante o inverno.

A estação seca é especialmente ruim para a população, pois, nesse período, sem chuvas, e com a umidade relativa do ar atingindo valores muito baixos, às vezes chegando a 10%, a incidência de casos de doenças ligadas ao aparelho respiratório aumenta muito. É muito comum verificarmos os hospitais cheios de crianças e idosos, que são os mais atingidos, com asma, bronquite, enfisema e outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas. Recentemente, um aluno ligado ao LCGea, Elton Keliton, fez uma pesquisa sobre o assunto e a sua investigação mostrou que existe uma sazonalidade dos casos de internação por doenças respiratórias no DF, evidenciando que as patologias desse grupo tem, predominantemente, relação inversa com a precipitação pluviométrica, temperaturas máxima, média e mínima e umidade relativa do ar, e relação direta com a pressão atmosférica, ou seja, quando o DF está sob o domínio de sistemas atmosféricos de alta pressão, os casos de internação eram maiores.

2. Bioclima: Em relação aos problemas ambientais urbanos. Brasília superou os problemas dos eventos pluviais intensos, comportamento característico das chuvas nos períodos de verão e primavera.

Infelizmente no DF verificam-se inúmeros problemas relacionados a eventos pluviais extremos, pois regiões urbanas, cada dia mais abarrotadas de cimento e asfalto, não são preparadas para receberem a chuva, muito menos um volume de chuva elevado. Podemos observar muitas ruas sem bocas de lobo para o escoamento da água da chuva, e as que existem são muito pequenas para aguentar a vazão da água. Na própria área central de Brasília, no Plano Piloto, todos os anos, temos problemas com os viadutos, que aqui chamamos de tesourinhas, que a cada ano que passa, alagam mais ainda. Esse problema tem se intensificado porque essas tesourinhas estão localizadas em uma área mais rebaixada do terreno. Antigamente, a parte mais elevada do Plano Piloto era constituída de vegetação e era uma área onde a água da chuva caía e infiltrava no solo. Hoje, nessas áreas mais elevadas, foram construídos estacionamentos e edifícios, impermeabilizando a área. Ou seja, agora, toda a água da chuva que cai lá, não infiltra mais e escoa para as partes mais baixas – as tesourinhas. Como as bocas de lobo que existem nas tesourinhas não foram construídas para receber tanta água, acabam alagando. Isso sem contar a falta de educação da população em jogar lixo na rua que vai direto para as galerias de águas pluviais. Mas essa é só uma parte do problema…

3.Bioclima: Brasília em 2011 comemorou 20 anos como cidade Patrimônio da Humanidade com um alerta sobre o conforto e a sustentabilidade nas superquadras do Plano Piloto. Com a expansão de Brasília, que provavelmente, descaracteriza o projeto do plano piloto, a questão do conforto térmico piorou? Explicite.

Essa questão é muito delicada para nós, pois perpassa por uma questão social. As áreas nobres do DF, como o Plano Piloto, onde estão as superquadras, não pode ser alterado, pois é tombado. Sendo assim, segue o planejamento original, com muita arborização. A não ser no mês de setembro, quando o tempo fica bem seco e quente, o conforto térmico, nessas áreas, não chega a ser um problema. Porém, nas áreas periféricas, onde vive a maioria da população do DF, a conversa é outra. Nessas áreas há uma intensa e desordenada urbanização. Por isso, as questões da temperatura do ar e da umidade relativa já são importantes. Já fizemos um trabalho que detectou que as áreas densamente construídas, intensamente ocupadas e com elevados índices de calor gerado pelas atividades antrópicas, apresentam-se, de maneira geral, com menores valores de umidade relativa e temperaturas mais elevadas do que aquelas áreas que contam com a presença de vegetação.

4. Bioclima: Agora falando sobre a questão do ensino de Geografia, a Professor vem desenvolvendo projetos de ensino de climatologia, no âmbito da Geografia, nos últimos anos. Nesse contexto, a professora poderia nos apresentar um cenário da atual condição do ensino de climatologia nos bancos escolares.

Bom, posso falar da realidade daqui da nossa região. Tenho pesquisado sobre o tema e conversado com professores e alunos do Ensino Básico. Infelizmente, não vejo mudanças significativas na hora de ensinar temas de Climatologia na escola. O ensino, de forma geral, continua enciclopédico. Os alunos ainda são chamados a memorizarem os tipos de clima do Brasil e os elementos do clima ainda são estudados de forma compartimentada. Vejo novas propostas sendo elaboradas, mas não colocadas em prática, elas não chegam nas escolas. A realidade, o espaço vivido pelo aluno é desconsiderado na hora de estudar Climatologia. Tenho tentado entender porque isso acontece. Compreendo que existem questões estruturais de ensino nas escolas, como carga horária, salário e etc, porém, eu tenho absoluta certeza que, ao invés de memorizar determinados tópicos, os alunos deveraim ser chamados a investigar os acontecimentos ligados ao tempo e ao clima que ocorrem perto deles. Garanto que eles iriam aprender. Por exemplo: aqui em Brasília, um pouco antes de se iniciar nosso período chuvoso, as cigarras começam a cantar (todo brasiliense sabe disso). Todo mundo sabe que quando elas começam a cantar significa que a chuva está próxima e que o período chuvoso vai começar. Isso acontece porque o período de eclosão dos casulos das cigarras só ocorre com a pressão atmosférica mais baixa e com a umidade em elevação. Tenho absoluta certeza que, se o professor levasse seus alunos para um jardim (as cigarras estão em todos os jardins), pegasse uma cigarra (os meninos acham o máximo e as meninas acham nojento) e falasse sobre isso com eles, eles nunca mais iam esquecer, pois faz parte da realidade de cada cidadão do DF. Pergunto: não seria muito mais legal do que ficar memorizando coisas?

5.Bioclima: Para finalizar. Profa. Ercília, como a Climatologia pode ser ou se transformar em um instrumento de gestão do espaço. Uma vez, que embora o conceito de cidade sustentável esteja em evidência, a especulação imobiliária também é intensa. Como a climatologia se insere nesse debate.

O meio urbano, onde a especulação imobiliária ganha destaque, apresenta três dimensões, a social (renda, educação, saúde, segurança), a ambiental (clima, aspectos físicos, nível de poluição) e a perceptiva (bem-estar e condições de vida). Porém, acredito que os gestores das cidades, apesar de afirmarem que compreendem a relação existente entre essas três dimensões, no momento de qualificar qual delas tem mais ou menos peso, sempre desconsideram os aspectos climáticos. Isso ocorre, talvez, porque o clima é algo quase abstrato, que não se enxerga. Já ouvi que o clima é a última coisa em que se deve pensar ao gerir uma cidade. Se assim for, algumas perguntas devem ser feitas: Ora, como irá haver bem-estar para a população se o calor produzido pela cidade não for amenizado por vegetação? Como a população vai conseguir ter boas condições de vida se seus carros ficam presos em alagamentos promovidos por falta de drenagem adequada depois de uma chuva intensa? E as doenças de veiculação hídrica, como evitá-las se a enchente ocorreu? Sem falar na segurança: recentemente uma menina morreu afogada dentro de um ônibus porque ele ficou preso dentro de um viaduto durante uma chuva forte. Temos segurança para andar nas ruas durante esses eventos de chuva? Essas minhas perguntas demonstram o quanto é importante considerar os aspectos climáticos na gestão do espaço. Esses aspectos, pelo menos em pouco tempo, não vão mudar. Sendo assim, o que tem que mudar é a cidade para se adaptar. O que tem que mudar é a cabeça dos gestores. A cada ano que passa novos alagamentos ocorrem novas enchentes, deslizamentos. E não adianta colocar a culpa na chuva.


Entrevista ao Blog de Biogeografia e Climatologia da Universidade Federal de Viçosa-MG. Data Abril de 2015.

Professor Dr. Ranyere -UFPE.

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1. Bioclima: Prof. Ranyere, o nosso blog tem muitas acesso de alunos do ensino médio e fundamental. Então a primeira pergunta vem dentro do contexto da variação sazonal. A cidade de Recife. Qual é o seu comportamento sazonal, quanto à pluviosidade e a temperatura são iguais ao sudeste e centro oeste brasileiro?
R: A cidade de Recife tem algumas peculiaridades climáticas que podem ser surpresas para alguns, e esta primeira pergunta é muito pertinente. Com relação a sazonalidade da pluviosidade, há dois períodos bem definidos ao longo do ano, o chuvoso, de março a agosto, e o seco, entre outubro e janeiro, sendo os meses de setembro e janeiro considerados de transição entre os períodos. Neste contexto, fica claro um aspecto climático do nordeste brasileiro, há considerável variabilidade sazonal da chuva. Os 7 meses do período chuvoso são responsáveis por quase 80% da chuva média anual em Recife, enquanto os 4 meses do período seco, representam, em média, pouco mais de 10% da chuva anual. Em se tratando de volume de precipitação anual, Recife possui valores próximos de cidades da região Norte, com mais de 2.400mm anuais, pelas normais climatológicas do INMET, superior as cidades do Sudeste e Sul do país, estando entre as 10 mais chuvosas da série de 69/90 do INMET.

Com relação a temperatura, o grande destaque de Recife, é a pequena amplitude térmica anual e diária, devido ao fator da maritimidade. Com temperatura média anual de aproximadamente 25,5º C, a mínima média é 21,8º C e a máxima de 29,2º C. Não há período frio sazonalmente. As temperaturas diminuem pouco durante o inverno austral, mas devido ao aumento da nebulosidade, coincidindo com o período chuvoso. Não há presenças de massa de ar fria, o que ocorre é a diminuição da radiação solar incidente sobre a superfície por causa da nebulosidade. Agora quando pensamos em Nordeste e temperatura máxima, por exemplo, os valores médios de Recife ficam abaixo de muitas cidades do Sudeste brasileiro, inclusive mineiras e paulistas. Enquanto em Aimorés, a Tmáxima média é de 33,9 em fevereiro, em Recife é de 30,2 no mesmo mês. Em compensação, na mesma cidade mineira, a mínima pode chegar aos 15º C durante o inverno, e em Recife não ultrapassa o valor de 20º C, em média.
2.Bioclima: Em relação aos problemas ambientais. O nordeste vem sofrendo com a desertificação. O senhor poderia nos dar um panorama do atual estágio deste processo e as dificuldades de combatê-lo, no atual contexto em que o Brasil vive de políticas públicas fragmentadas e desarticuladas.
R: O problema de desertificação no nordeste e a potencial ampliação das dimensões dos núcleos estão, sem dúvida, atrelados às políticas públicas. Algumas características de uso e ocupação do solo produzem degradações ambientais que potencializam as características pedoclimáticas naturais até desencadear o processo de desertificação. Vejamos o exemplo do núcleo de Cabrobó, localizado em Pernambuco. Talvez alguns não imaginem que neste núcleo tenha uma das maiores produções de cebola do Estado. Mas não é apenas cebola, tem arroz, manga, melancia, banana, entre outras. Em um núcleo de desertificação?

Pois é, porque este núcleo é recortado ao Sul pelo rio São Francisco, então há água para irrigação. Mas, esta irrigação sendo realizada de maneira descontrolada, em um solo salino em quase toda a totalidade, favorece a concentração do cloreto de sódio superficial após a evaporação, tornando uma determinada área rural improdutiva em quatro a cinco ciclos de produção da cultura agrícola. E outra área será degradada para a prática agrícola. Há também o sobrepastoreio, com a presença de gado, em uma região onde deveria haver mais caprinos, entre outros problemas ambientais. No entanto, é importante destacar, neste espaço, que há uma discussão atual sobre a constituição dos núcleos de desertificação. Esta discussão é baseada em trabalhos de campo e monitoramento por sensores remotos que investigam a escala de desertificação dentro dos núcleos. Resultados preliminares vêm indicando que a alguns núcleos foram assim constituídos mais por questões políticas do que ambientais. Esta é uma discussão que ainda terá muito, mas muito o que debater.

3.Bioclima: O processo de verticalização em Recife, uma cidade litorânea, já é capaz de formar ilhas de calor? O senhor poderia exemplificar?

R: Sim. De fato o intenso processo de verticalização tem formado ilhas de calor com magnitude de até 10º C em determinadas localidades e horários do dia. Por ser litorânea, o processo de verticalização ocorre principalmente no sentido norte-sul. Mas, a ocupação histórica e a produção do espaço atualmente fazem com que as ilhas de calor na cidade sejam multinucleadas, com diversas ilhas ,não apresentando a clássica formação, do centro para periferia

4.Bioclima: Agora falando sobre a questão de clima e risco, o Professor poderia nos falar um pouco dessa relação, dentro do contexto urbano, como a cidade de Recife.

R: Esta relação clima-risco em Recife, os deslizamentos e a alagamentos urbanos são os principais impactos. Como grande parte do volume de precipitação está concentrada em poucos meses, a infiltração da água lança a capacidade decampo rapidamente, de modo que a impermeabilização e a retirada de vegetação natural, por exemplo, fragilizam as áreas de morro e potencializam o acumulo de água nas áreas de planície.

Não obstante, surgem os problemas de infraestrutura urbana e saneamento, que são consideráveis para uma região metropolitana da magnitude que é, mesmo comparando com outras metrópoles brasileiras e considerando os problemas intrínsecos a elas. As consequências são vítimas todos os anos, caos nos transportes terrestres, proliferação de doenças, entre outras. Como um dos principais mecanismos produtores de chuva é a brisa, devido a atuação da mTa durante o inverno, praticamente todas as noites do período chuvoso há precipitação fraca, entre as horas 21:00hs as 09:00hs.

O solo vai absorvendo água até encharcar. Com condições de mesoescala favoráveis a precipitação, ao chegar uma onda de leste (o principal sistema produtor de chuva de Recife), a intensidade da chuva aumenta de maneira considerávmapa820-desertificacaoel e o risco aumenta pelo fator natural. Paradificultar, as ondas de leste são sistemas de difícil previsão meteorológica, e os sistemas de alertas apresentam dificuldades, sobretudo ao prever a magnitude do sistema.

5.Bioclima: Para finalizar. Prof. Ranyere, o Professor Edmon Nimer, explica em seu livro Climatologia do Brasil, editado em 1979, que o nordeste tinha o seu caráter mais seco em função da chegada das massas de ar sem força ao sertão nordestino, fazendo uma analogia ao ponto final de ônibus. Hoje, a luz dos avanços das pesquisas meteorológicas e da criação de sistemas de monitoramento da Amazônia, qual é o atual estágio de compreensão da situação da dinâmica dos sistemas atmosféricos que controlam a variabilidade sazonal da pluviosidade e da temperatura nas sub-regiões nordestinas.

R: Cada vez que eu releio um livro ou texto clássico da climatologia, fico mais impressionado como os autores conseguiam enxergar a relação clima e fisiologia da paisagem sem tantos recursos tecnológicos como tempos hoje. E ainda mais impressionados com o empirismo dos processos físicos. Sem dúvida, a topografia é importante fator geográfico na produção do, como o próprio Nimer denomina, complexo climático do nordeste e sua extraordinária variedade climática.

Os avanços tecnológicos permitem atualmente uma gama de informações muito mais ampla, refletindo também em avanços conceituais, porém, as gêneses dos conceitos pretéritos não são desfeitas, mas “moldadas”. Por exemplo, o autor comenta sobre o aspecto do vórtice anticiclônico da mTa, mas não tinha como ter conhecimento claros sobre a ocorrência de vórtices ciclonônicos em altos níveis que produzem contrastes acentuados de precipitação no Nordeste, com chuvas nas bordas do sistema e secura no centro. Sistemas transientes, que podem ocorrer em um determinado intervalo de tempo sobre uma localidade e em outro não, fazendo com que as chuvas no sertão nordestino funcionem como uma loteria em alguns momentos.

Fonte: SANTANA, M. O. Atlas das áreas susceptíveis à
desertificação do Brasil. Brasília:
Ministério do Meio Ambiente, 2008

Mas, a extensão do território nordestino, tanto latitudinal, quanto longitudinal e a diversidade geomorfológica alteram as características de massas de ar ao passar na região, e esta modificação no espaço geográfico produz alterações na instabilidade atmosférica (que é uma das três principais condições para a formação de chuva), como o autor colocou no livro, algumas vezes usando termos que foram revistos.

Então, por fim, a compreensão avançou no sentido de uma climatologia dinâmica, contemporânea, porque apesar das limitações dos autores pretéritos, a conceituação vem sendo moldada advindo dos conhecimentos oriundos de fontes de dados modernas. O que faltava era a explicação para os ritmos e arritmias climáticas e uma melhor compreensão da relação entre oceano e atmosfera e as variabilidades interanuais da chuva.


Professor Dr. Manuel Calabar – Professor Visitante da Universidade Estadual de Feira de Santana.

Entrevista ao Blog de Biogeografia e Climatologia da Universidade Federal de Viçosa-MG. Data Abril de 2014.

BIOCLIMA. Professor, eu perguntaria inicialmente sobre sua trajetória. Onde se formou, quais foram seus trabalhos de mestrado e doutorado e o que desenvolve atualmente. Até para que nossos leitores possam o conhecer melhor.
Eu fez toda minha trajetória acadêmica na Universidade de Santiago de Compostela (USC), que fica na região da Galícia (Noroeste de Espanha). A cidade é bem conhecida aqui no Brasil pelo Caminho de Santiago, rota de peregrinação que popularizou Paulo Coelho com diversas publicações. Sou Graduado em Geografia (lá na Espanha se chama de “Licenciado”), e tenho Doutorado também pela USC. Inicialmente, nos estudos equivalentes ao Mestrado do Brasil, pesquisei sobre temporais de chuva e vento na Galícia, com uma proposta de classificação em função da intensidade e da periculosidade que combinou quantidade de chuva e rajadas de vento com o número de dias consecutivos que aconteceram. Já no doutorado mudei de assunto e estudei a oferta e demanda de uso público em Espaços Naturais Protegidos também na Galícia, com aplicação de uma metodologia que utilizava indicadores para a oferta, e questionários a visitantes para a demanda. Meus orientadores foram os Professores Rubén Camilo Lois González e Alberto Martí Ezpeleta, os dois da USC. Durante o tempo que fez o Doutorado e depois de defender a Tese, trabalhei como pesquisador em um grupo integrado principalmente por geógrafos, colaborando em vários tipos de pesquisas desde turismo a geografia urbana. No ano de 2012 apareceu a oportunidade de trabalhar como Professor Visitante na Universidade Estadual de Feira de Santana para algum dos membros do grupo de pesquisa, e decidi aceitar este novo reto pessoal e profissional.
BIOCLIMA. Prof. Manolo, como nossos leitores são do Brasil, e o senhor agora está como Professor Visitante da Universidade Estadual de Feira de Santana. Você poderia nos falar das características da climatologia de Feira de Santana, situada a cerca de uma hora de Salvador, mas com um clima muito particular.
Você mesmo colocou as palavras certas: um clima muito particular. Aqui vou falar desde o ponto de vista de alguém que vem de fora por primeira vez e que morava antes em um clima totalmente diferente. Antes de vir para Feira de Santana, me informei das características gerais do Clima. O primeiro que me chocou foi a peculiar distribuição das precipitações ao longo do ano. Nas Latitudes Médias, nossos manuais de Climatologia falam de um reparto das chuvas nos Climas Tropicais com uma estação seca no inverno e uma chuvosa no verão, e Salvador (o exemplo que primeiro olhei) não acompanha nem o mais mínimo esse padrão pois os meses da chuva mais abundante vão de Abril a Julho. Só depois, aprofundando mais, foi que passei a entender que dependia de nuances com a Circulação atmosférica do Nordeste do Brasil, pelo menos em parte. Feira acompanha esta distribuição, mais com quantidades totais bem menores que em Salvador, e aqui vem a segunda questão. A característica mais “especial” para mim foi que a faixa de elevada pluviosidade era muito estreita, e que as isoietas diminuíam rapidamente de valor a pouca distancia do mar sem ter uma barreira orográfica que justificasse isto! Ainda é o dia de hoje que fica difícil ter uma noção exata de tal anomalia, compartilhada por quase tudo o Semiárido Nordestino, tão azonal e “particular” dentro dos Climas do Mundo. A pouco mais de 100 Km de Salvador (com médias de 2000 mm anuais de chuva), Feira se contenta com médias de 800 mm, no limite mesmo da semiaridez. De fato, Feira de Santana é chamada de “Portal do Sertão” ao ficar na faixa de transição entre o Clima Tropical Úmido do litoral e o Semiárido interior (chamado de “agreste”). A seca também se deixou notar aqui, em 2012 só foram recolhidos na Estação Meteorológica da UEFS pouco mais de 200 mm. Recorde histórico. Houve sérios problemas para os pequenos produtores rurais que ainda hoje dá para perceber, mesmo amenizando muito a situação com um 2013 bem mais chuvoso.
BIOCLIMA. A sua experiências em estudos de clima urbano vem da Espanha. O senhor poderia nos dizer em qual estágio da arte dos estudos de clima urbano na geografia espanhola?
Atualmente, os estudos de Clima Urbano deram uma parada sem um motivo concreto. Houve uma etapa de muito trabalho na década dos 1990 e primeiros anos do Século XXI, no que grande parte das cidades espanholas foram estudadas e muitas publicações saíram á luz. Existe, pois bastante trabalho feito e de ótima qualidade, mais seria bom atualizar os estudos, até porque as cidades espanholas experimentaram um crescimento importante no seu perímetro urbano por causa de um boom urbanístico especulativo muito intenso que explodiu em 2008 com a crise econômica. Os efeitos de este processo no Clima Urbano das cidades espanholas ainda não está bem estudado, na minha opinião.
BIOCLIMA. Por ser morador da Galícia, por muito tempo o senhor nos descrever a climatologia desta região situada ao norte da Espanha.
A Galícia, por estar localizada num dos extremos Ocidentais da Europa, possui um Clima Temperado Oceânico, ou como muitos autores denominam, Temperado de Litoral Ocidental. Isto é, as temperaturas são amenas (sem grandes picos de calor e frio, por norma geral), e as chuvas são abundantes, principalmente no Semestre frio (Outubro-Março). Galícia fica na trajetória de passo das perturbações da Fronte Polar do Hemisfério Norte, e ademais influenciada pela Deriva Nor-atlântica, que aporta águas quentes incrementando a pluviosidade e amenizando as temperaturas. Com tudo, a Galícia fica no extremo meridional da área Oceânica européia, bem no limite com a área de influencia do Clima Mediterrâneo. Unido a isto, a região tem um relevo bem compartimentado, com numerosas serras e depressões. E por isto que em muitos locais do interior, os verões são quentes e secos, bem próximos do Mediterrâneo, e os invernos mais frios por continentalidade. As altas pressões subtropicais (Alta das Açores) influenciam fortemente no verão, dando tempo mais ensolarado que, por exemplo, a Irlanda, que fica em linha reta ao Norte da Galícia.
BIOCLIMA. Além de professor visitante, qual pesquisa o senhor desenvolve em Feira de Santana-BA?
Meu trabalho prioritário na UEFS é ajudar a colocar em funcionamento um Laboratório de Climatologia, que auxilie os trabalhos de ensino, pesquisa e extensão da Licenciatura e do Bacharelado em Geografia. Além disso, coordeno um projeto de pesquisa que tem duplo foco: conhecer o estado da rede meteorológica que existe no Estado da Bahia (tipo de estação, localização das estações, dados coletados, período de coleta, instituição gestora), e verificar qual informação meteorológica chega até os pequenos produtores rurais do Semiárido, por que médios chega, se é utilizada e como, e se consideram útil essa informação no seu desempenho, aplicando questionários pessoais. Também ministro aula de Fundamentos de Climatologia na graduação, pois como Professor Visitante não posso ministrar mais de uma matéria. A gente está fazendo o possível para trabalhar com meios ainda precários, mas acreditando que passo a passo se faz caminho e que se aprende de tudo para melhorar. O contato com profissionais de outras universidades e instituições é de grande ajuda, e por isso também fazemos visitas técnicas a Laboratórios como o BIOCLIMA da UFV.

Entrevista com o Professor Emerson Galvani – Fevereiro de 2014.

Este ano ocorrerá o XI Simpósio Brasileiro de Climatologia em Curitiba, no mês de outubro. Vejam as informações no site da Abclima (www.abclima.ggf.br). E como parte do trabalho do Laboratório de Biogeografia e Climatologia (Bioclima), neste ano de 2014 procurará aprofundar as discussões climatológicas no cenário nacional, tentando trazer para você, leitor, mais convidados para conversar conosco. Iniciamos o ano de 2014, com a entrevista do Professor Doutor Emerson Galvani do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo – USP. Boa leitura e participe.

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BIOCLIMA: Prof. Emerson Galvani, apesar de ser morador da cidade de São Paulo, acredito que deva conhecer outras regiões do Estado. E como no nosso blog tem leitores de diversas partes do Brasil, gostaria que pudesse explicar as diferenciações climáticas que podem ser encontradas no Estado de São Paulo.

PROF. EMERSON GALVANI – FFLCH- DG-USP

E.G. O estado de São Paulo pela sua posição latitudinal apresenta-se em uma faixa de domínio climático de transição – entre os climas com características de tropicalidade e aqueles com influência de climas extratropicais. É comum termos verões (e primaveras) com temperaturas elevadas e outonos e invernos com temperaturas reduzidas. A configuração longitudinal do estado de São Paulo também é importante controle climático, pois temos áreas próximas ao Oceano Atlântico – efeito da maritimidade e, áreas distantes do oceano, como o interior paulista, onde os efeitos da continentalidade são mais perceptíveis. Aliado a isso temos uma variação altitudinal significativa na região que compõe as Serra do Mar e Mantiqueira, na divisa com o estado de Minas Gerais. Tenho o hábito de comentar que o estado de São Paulo, torna-se mais seco (menos chuvoso) e com temperaturas mais elevadas a medida que caminhamos para a direção norte e noroeste do estado. No ambiente urbano temos ainda a configuração do Sistema Clima Urbano onde o perfil de uso e cobertura do solo, aliado as atividades humanas, é capaz de produzir significativas diferenças de temperatura e umidade relativa do ar em relação ao ambiente não urbanizado próximo.

BIOCLIMA: Em seu livro Climatologia aplicada, destaca a importância dos estudos de caso. Qual a relevância e a contribuição deste de estudo para a climatologia geográfica brasileira?

E.G. Os estudos de caso, aqueles verticalizados e com áreas reduzidas de análise baseado em dados empíricos primários, constituem importante linha de pesquisa no contexto da climatologia geográfica. Esses estudos em que o pesquisador consegue “tocar” seu objeto de estudo na escala de detalhe, 1:1, permite entender algumas relações que passam despercebidos quando se trabalha com dados secundários. Entender as partes e compor o todo parece-nos uma interessante forma de abstrair os estudos que envolvem a atmosfera e suas interações com a superfície. Na realidade é um jogo de forças e interações, esse nível escalar, micro, topo, meso, está sujeito a energias de escalas maiores que também devem ser considerados nas análises.

BIOCLIMA:. A algum tempo, o Senhor desenvolve estudos relacionados ao clima do Mangue. Acredito que resultados interessantes já deva ter encontrado. Neste sentido, qual o significado climático do ecossistema mangue para os estudos de climatologia geográfica.

E.G. O ambiente de manguezal é ecossistema costeiro de transição entre o ambiente terrestre e o ambiente marinho, condicionado, fortemente, pelo regime e atuação das marés, ou seja, os manguezais só estão ali porque nenhuma outra espécie vegetal tem competência para se adaptar a esse ambiente de águas salobras. O mangue (quando me refiro a um individuo, uma árvore) e o manguezal (quando me refiro ao conjunto de árvores do mangue) apresenta inúmeras funções, dentre elas: proteção da linha de costa (após a ocorrência de grandes ondas ou tsunamis é evidente o papel dessa vegetação na linha de costa); refúgios de espécies marinhas, estuarinas e terrestres;  Filtro biológico, absorvendo e imobilizando produtos químicos, inclusive esgotos; Fonte de alimento e de produtos diversos, associados à subsistência de comunidades tradicionais; Possibilita atividades de recreação e lazer, associado ao seu alto valor cênico, entre outras funções. Os principais resultados das pesquisas que desenvolvemos, no nível microclimático, tem evidenciado o papel da vegetação – dossel – na atenuação e redistribuição de energia no interior desse ambiente, proporcionando a manutenção e expansão da flora e da fauna que ali habitam.

BIOCLIMA: Em publicado na Revista Brasileira de Climatologia, o senhor aborda a influência da topografia na distribuição das chuvas em Ilha ela. Apesar de poucos estudos, realizados no Brasil, pode-se dizer que existam eventos episódicos, em que total pluvial precipitado é maior em altitudes inferiores? Como se explica isso?

E.G. Esse trabalho mencionado é resultado da dissertação de Mestrado do aluno Marcos Milanesi defendido aqui no Programa de Pós-Graduação em Geografia Física da USP. O objetivo do trabalho era estudar o efeito orográfico produzido pelo relevo da Ilha de São Sebastião (município de Ilha Bela, SP). Foi um trabalho árduo de monitoramento das precipitações durante um ano hidrológico (outubro a setembro) com avaliações mensais do total precipitado. Os pluviômetros, seis no total, foram instalados em um transecto com alinhamento leste-oeste, iniciando-se na Praia de Castelhanos, passando pelo divisor a 690 m ANMM e finalizando no centro de Ilha Bela. Os dados demonstram que a vertente a barlavento precipita 60% e, a vertente a sotavento 40% do total do perfil indicando uma “sombra de chuva” na vertente a sotavento. Esse efeito – orográfico – é potencializado pela elevação da parcela de ar oriunda do oceano – úmida. Para que esse efeito se manifeste é necessária à combinação de alguns fatores: elevação significativa da parcela de ar condicionada pelo relevo, presença de umidade, no caso do oceano mas esse efeito pode ocorrer em áreas distantes do oceano e, persistência de ventos que forçam, mecanicamente a elevação da parcela de ar. Respondendo sua pergunta é possível sim a ocorrência de totais pluviométricos mais elevados em altitudes inferiores em alguns eventos, isso dependerá do tipo de precipitação, convectiva, por exemplo, contudo os totais anuais tendem a ser mais elevados em áreas com altitudes mis elevadas e com condições físicas de estimular o efeito orográfico.

BIOCLIMA: Como a última questão. Gostaríamos que o senhor, que já foi ex-presidente da Associação Brasileira de Climatologia, nos apresentasse a sua visão do atual cenário da climatologia geográfica brasileira.

E.G. A ABClima tem se consolidado nos últimos anos como uma entidade forte e atuante. Fui secretário da associação da gestão 2006 a 2008 sob a presidência do professor Dr. José Bueno Conti e entre 2008 a 2010 atuei como presidente da entidade. A ABClima tem se sustentado em duas vertentes: A Revista Brasileira de Climatologia (já com 13 volumes publicados) e os Simpósios Brasileiros de Climatologia Geográfica (caminhando para a XI edição). Isso, sem dúvida, indica que a entidade está consolidada no meio científico nacional. A perspectiva futura, no meio olhar, é cada vez mais consolidarmos o SBCG, convidando novos colegas e integraram as mesas e as conferências do evento e enviando artigos para a Revista, somente assim, com a participação cada vez maior dos pesquisadores e grupos de pesquisa é que teremos, ainda mais, o fortalecimento da ABClima.

Prof. Emerson Galvani (egalvani@usp.br)

Laboratório de Climatologia e Biogeografia – LCB/USP


Bom dia, aos apaixonados pela Climatologia.

Desta vez, nosso conversando sobre a climatologia irá conhecer um pouco do Chile, país com a maior quantidade de vulcões em seu território. Entre ativos e inativos, existem cerca de 15 vulcões. Sua superfície convive com o terreno mais árido do mundo fica no Chile, o Deserto de Atacama. Alguns estudiosos afirmam que uma área dele passou 571 anos sem ver uma gota de chuva. Lá as temperaturas podem variar de 40º C ao dia a 0º C à noite.

E nossa conversa que divulgamos nesse momento é com o pesquisador Hugo Romero, Professor do Departamento de Geografia e do Laboratório de Meio ambiente e Território da Faculdade de Arquitetura e Urbanisno da  Universidad de Chile, nesse mês de agosto de 2012, após uma ausência de novas conversas. Mas o tempo apela alimenta a vontade de novas possibilidades de conhecermos e dialogarmos com outros pesquisadores.

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A ideia dessa entrevista surgiu no último encontro latino e ibero americano de Geografia, realizado no mês de julho, na cidade de Manaus (Brasil), quando nos reencontramos. O professor Hugo é conhecido por muitos estudiosos em climatologia no Brasil, desde o ano de 2000, quando veio participar do IV Simpósio Brasileiro de Climatologia, realizado, na cidade do Rio de Janeiro.

Boa leitura.
BIOCLIMA: Prof. Hugo Romero, quais fatores geográficos explicam a diversidade climática do Chile?

Los factores geográficos más relevantes que explican la diversidad climática son:

  1. a) Su extensión entre las latitudes 18 y 56ºS, lo que implica que su territorio cruza las zonas climáticas tropical, subtropical, mediterránea, templada y templada fría, de lo que resulta que en la sección norte y central predominan los anticiclones cálidos; en el sur, la zona de los vientos del Oeste y en el extremo sur, la Convergencia Antártica.
  1. b) La influencia de la Antártica, donde se originan las masas de aire y los frentes fríos que controlan la ocurrencia de lluvias en la mayor parte del país y la existencia y alcance de la Corriente de Humboldt.
  1. c) La influencia del Océano Pacífico con sus complejos procesos de interacción oceáno-atmosfera, incluyendo los fenónemos ENSO: El Niño y La Niña, y su extensión hacia el interior del país, generando climas esencialmente oceánicos (limitada continentalidad).
  1. d) La influencia de la Cordillera de los Andes que limita por el oriente a todo el país con alturas que alcanzan con facilidad  los 6.000 m. e implican un control muy relevante sobre los gradientes térmicos y pluviométricos.
  1. e) La influencia a lo largo de casi todo el país de la Cordillera de la Costa, que aisla parcialmente la acción directa de la oceaneidad, permitiendo el surgimiento de rasgos de continentalidad.
  1. f) La generación de cuencas fluviales entre ambas cordilleras, lo que permite el origen de topoclimas muy relevantes.

BIOCLIMA: No Brasil, os eventos pluviais intensos que frequentemente assolam os estados brasileiros. Porém, temos acesso a informações de outros países latinos. Professor, quais são os fenômenos climáticos que mais influenciam no cotidiano dos cidadãos chilenos?

En el Norte de Chile, la presencia de los climas hiperáridos del Desierto de Atacama y la falta completa de precipitaciones;  en el centro la ocurrencia de las lluvias solo en la estación del invierno (mientras el resto del año predominan los cielos despejados), lo que dificulta la existencia de agua para los ecosistemas, las agricultura y la generación de energía hidroeléctrica (que es la principal fuente natural en Chile). En el sur la ocurrencia permanente de lluvias y masas de aire frías (lo que obliga a una vida más hogareña) y en el extremo sur la presencia de nieve, campos de hielos y glaciares (generando paisaje lacustres y montañosos de gran pritinidad y belleza escénica).

En la costa la existencia de climas templados y hacia el interior el control topográfico lo que controla las amplitudes térmicas y la sequedad de la atmósfera.  En todo Chile y debido a la Corriente de Humboldt, la humedad relativa es más bien baja y por ello sus climas son esencialmente secos, siendo en todo el país la sombra un rasgo típico y un servicio ambiental de relevancia.  Existe una marcada diferencia entre las temperaturas del día y la noche en todo Chile, predominando las noches frescas y frías.

BIOCLIMA: Qual é a influência do El Niño e da La niña na dinâmica climática do Chile?

Es una influencia esencial que controla la ocurrencia de lluvias y de desastres naturales.  El Niño provoca una elevación de la evaporación, formación de nubes y ocurrencia de precipitaciones más abundantes  en el centro y sur del país.  En el altiplano andino del Norte de Chile, por el contrario, produce sequías. La Niña, es responsable de las sequías en la mayor parte de Chile Central y de lluvias más abundantes en el altiplano andino del Norte. En todo caso, La Niña y el Niño explican un porcentaje importante de la existencia o ausencia de las lluvias, pero una parte importante de la varianza se debe a otros factores que se pueden presentar acoplados o desacoplados con éstos, como sucede con el Monzón Sudamericano (del cual dependen las lluvias de verano del Norte andino), la Oscilación Decadal del Pacífico y la Oscilación Antártica.  La combinación de La Niña, una alta ODP y una elevada Oscilación Antártica son responsables de las peores sequías y ondas de frío.  Un Niño de gran magnitud puede provocar grandes inundaciones en Chile Central, al mismo tiempo que altera las condiciones de los ecosistemas terrestres y marinos. Los fenómenos Niño han causado las crisis de las pesquería de anchoveta de Chile y Perú, por ejemplo.

BIOCLIMA: No Brasil a friagem é um fenômeno restrito a alguns espaços brasileiros. E muito dos nossos leitores não conhecem o que venha ser ondas de frio.  Professor, Hugo. O que define uma onda de frio? No Chile é freqüente? E no Brasil. Podemos dizer que existem ondas de frio, pelo menos nos estados da região Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná). , mas pouco se conhece de fato suas repercussões, a não ser em casos extremos. Mas aproveitaria para melhor esclarecer nossos leitores, quais implicações cotidianas e para a saúde da população, bem como a sazonalidade da atuação dos sistemas atmosféricos que atuam no Mato Grosso do Sul.

En Chile son frecuentes las ondas de frío en los meses de invierno (mayo a Agosto). Se trata de eventos de cuatro o cinco días de duración que se pueden presentar varias veces y en los cuales las temperaturas descienden usualmente bajo 0ºC, causando heladas que afectan a la sociedad y a las actividades económicas en forma muy relevante.  La combinación entre las aguas frías frente a las cosas de Chile (La Niña), así como el predominio y mayores valores de presión atmosférica en la zona del Anticiclón del Pacífico Sur y los bloqueos anticiclonales, facilitan el desplazamiento de las masas de aire antártico o polar hacia el norte de América del Sur, pudiendo alcanzan hasta latitudes tropicales y afectando severamente al sur de Brasil, Paraguay, Argentina, Uruguay, Bolivia, Perú y Chile. Los sucesivos días fríos han causado la muerte de centenares de personas, especalmente los años 2010 y 2011. Las muertes por hipotermia han afectado a cientos de personas pobres e indigentes que viven en las calles de las ciudades principales del cono sur sudamericano y a las poblaciones de las tierras altas andinas de Perú, Bolivia, Chile y Argentina, especialmente a los niños y ancianos, que han fallecido o enfermado debido a las bajas temperaturas, siendo especialmente afectados por síntomas respiratorios agudos. También mueren muchas personas debido a la carencia de calefacción doméstica o porque los calefactores que se emplean en las casas y que funcionan a gas licuado provocan intoxicaciones por gas carbónico. Adicionalmente, las ondas de frío estabilizan la atmósfera y por ello, las inversiones térmicas de radiación que son responsables de los peores períodos de concentración de contaminantes atmosféricos en las ciudades y en torno a las megafuentes (chimeneas industriales, domésticas y fundiciones minerales). La contaminación atmosférica que se presenta en un número mayor de eventos durante los años fríos (de la Niña), es responsable de miles de muertes y de crisis hispitalarias causada por enferemedades respiratorias en las ciudades chilenas menos ventiladas como Calama, Santiago, Rancagua, Temuco, Osorno y Cohyaique.

Se puede afirmar que las ondas de frío son un riesgo climático muy relevante en el Cono Sur y que, a diferencia de Europa, las islas de calor no alcanzan igual importancia.

Las ondas de frío, por otro lado, acentúan la vulnerabilidad de las poblaciones más pobres de la región, que además deben enfrentar condiciones climáticas inhóspitas en sus hogares en la casi totalidad de los meses de invierno.  El frío es particularmente injusto desde el punto de vista socioambiental.

BIOCLIMA: Sobre os estudos de clima urbano no Chile, o senhor poderia explanar sobre a influência do sítio chileno, com uma vasta região litorânea e a presença da Cordilheira dos Andes na configuração do campo térmico das cidades, como Santiago e Valparaíso?

Las principales diferencias que se presentan en los climas urbanos entre las ciudades litorales como Valparaíso y las continentales, como Santiago, dicen relación con la magnitud y extensión espacial de las islas de calor urbano, de las islas frías, de las islas de humedad y de las islas de ventilación.

En el caso de Santiago, como en todas las ciudades interiores, las islas de calor urbano se relacionan con la densidad de las construcciones de viviendas y edificios, con las escasas coberturas vegetales y por ende, con la condiciones sociales de los habitantes. En el caso de las ciudades litorales, la influencia de las brisas de mar a continente diluye las islas de calor urbano, especialmente en las noches de verano e invierno.

Respecto a la humedad, es mucho mayor en la costa que en el interior, aunque limitada por la estabilización generada por las aguas frías de la corriente de Humboldt y la baja temperatura de las aguas del mar en todo Chile.

Respecto a la ventilación, es generalmente muy reducida en las cuencas interiores y se relaciona con la capacidad de penetración de las brisas mar a continente  (y v/v) a lo largo de los valles fluviales transversales y con los fljos locales (de valle a montaña y v/v). En las ciudades costeras, la ventilación es alta y regular y se presenta muy intensa en la estación de primavera, cuando se acoplan la activación de los vientos anticiclonales con una mayor fuerza de las brisas de mar a continente causado por el inicio del gradiente barométrico superficial (térmico).


Olá!! a todos os apaixonados pela Climatologia. É com  grande satisfação, que publicamos a segunda entrevista (Dezembro de 2011)  do projeto Conversando sobre a Climatologia, que busca conversar com  especialista da área sobre seus trabalhos e linhas de pesquisas, desenvolvidos em seus respectivos departamentos.

Nesse jornada, a entrevista a seguir foi realizada com o Prof. Eberval Marchioro professor Dooutor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

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BIOCLIMA: Prof. Eberval, embora seja um cidadão capixaba, acredito que deva conhecer outras regiões do Estado do Espírito Santo. E como no nosso blog temos leitores de diversas partes do Brasil, gostaria que pudesse explicar as diferenciações climáticas que se apresentam no Espírito Santo. 

O estado do Espírito Santo possui uma diversidade climática decorrentes da orografia (altitude, forma e orientação das encostas), da maritimidade/continentalidade entre outros, assim como da dinâmica atmosférica. Assim, de maneira geral, no centrosul do Espírito Santo, onde encontra-se a presença da Serra da Mantiqueira próxima ao litoral, na porção a barlavento, são registrados os maiores totais mensais e anuais acumulados de precipitação em relação ao norte e noroeste do referido Estado. Em termos térmicos, a orografia ocasiona menores temperaturas na região denominada de Serrana, em relação ao restante do Estado. Já na região norte do Estado do Espírito Santo, onde a orografia está mais afastada do litoral, a latitude associada à continentalidade ocasiona temperatura mais elevadas ao longo de todo o ano, que associada aos menores valores pluviométricos propicia baixa disponibilidade hídrica, criando uma região de deficiência hídrica.

No mapa abaixo pode ser visto os Domínios Climáticos do estado do Espírito Santo, de acordo com o instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

BIOCLIMA: Os eventos pluviais intensos que freqüentemente assolam os estados do centro-sul do Brasil, provocando muitos danos nas áreas urbanas. Porém, pouco se registra no noticiário nacional os problemas que o Estado do Espírito Santo associado as chuvas. Nesse sentido, pode-se dizer que o Estado do Espírito Santo está mais bem preparado para atuar frente aos eventos pluviais intensos? 

Não acredito. Apesar de não participar diretamente desse contexto de prevenção de desastres naturais associado a defesa civil estadual e municipais, observei ao longo dos últimos anos uma tendência da implementação desses órgãos visando minimizar desastres naturais. Em alguns municípios capixabas a defesa civil ainda encontra-se em fase prematura de desenvolvimentos de trabalhos e/ou incipiente em ações preditivas. Diante disto, por estar localizado em uma região de transição, onde coadunam características físicas do relevo e a intensificação da ação antrópica, verifica-se o aumento da ocorrência de inundações e movimentos de massa de média a baixa magnitude, quando comparado, por exemplo, ao Rio de Janeiro e São Paulo.

Visando contribuir com a minimização dos desastres naturais no Espírito Santo, no Departamento de Geografia da UFES, foi criado do Centro de Prevenção de Desastres Naturais do Espírito Santo (CEPEDES), que por meio de mapeamentos e modelagem hidrossedimentológica, tem o intuito de minimizar os efeitos dos desastres naturais, contribuindo para a gestão e planejamento ambiental dos municípios capixabas.

 BIOCLIMA: De acordo com o seu estudo desenvolvido para o noroeste fluminense, que procurou analisar a aplicabilidade do código florestal brasileiro como o subsídio ao planejamento ambiental. Pode-se que a possível aprovação da nova proposta do código florestal, que se encontra no Senado brasileiro irá acarretar quais prejuízos ao planejamento ambiental?

Inicialmente, no estudo no noroeste fluminense, levando-se em consideração o uso e ocupação da terra atual, foi verificado que as áreas com maior declividade associada a outras características físicas e do solo da bacia do córrego Santa Maria, mostraram-se mais susceptíveis a erosão dos solos, aumentando a contribuição de sedimentos para o canal fluvial. Com a simulação de um cenário ambiental por meio da modelagem matemática levando em consideração as áreas de APP estabelecida no artigo 2º pelo Código Florestal Brasileiro (CFB) em vigência, verificou-se uma redução nas áreas fontes de produção de sedimentos, bem como das áreas disponíveis para a agropecuária nos locais de maiores declividades e próximas ao canal fluvial mais dissecado. Considerando tais resultados, é possível afirmar que do ponto de vista da erosão dos solos nas encostas, com a entrada em vigência da nova proposta do Código florestal, ocorrerá um aumento das áreas fontes produção de sedimentos nas encostas, uma vez que serão utilizadas para agropecuária, na maioria das vezes sem práticas de manejo e conservação agrícola, contribuindo para o aumento de material particulado que atinge o canal fluvial.

Outra característica desta nova proposta será o aumento da disponibilização de áreas para diferentes finalidades, tais como a residencial, corroborando para uma maior susceptibilidade a erosão de solos, inundações e movimentos de massa, exigindo medidas que podem gerar custos maiores aos cofres públicos. Para tentar elaborar qualquer alteração no CFB em vigência, faz-se necessário um estudos que envolva os diversos seguimentos da sociedade civil e das universidades, institutos etc.. capaz de estabelecer critérios para estimar uma área mínima de APP (podendo ser por regiões geográficas que considerem as características do uso e ocupação da terra, do relevo etc..) que não potencialize os desastres naturais.

BIOCLIMA: O processo erosivo muitas vezes se encontra associado a dinâmica das chuvas, porém, em algumas regiões o desenvolvimento desses processos erosivos desencadeia a formação de voçorocas imensas. Neste caso a questão das chuvas seria ainda um fator de maior relevância, como por exemplo, em Gouveia-MG?

Apesar de estar algum tempo afastado das pesquisas desenvolvidas no Município de Gouveia em Minas Gerais, no meio tropical quente e úmido, o principal agente desnudador do relevo terrestre é a ação das águas pluviais em áreas com atividade tectônica sem relevancia, tal como Gouveia. No caso de Gouveia, outros elementos da paisagem como o piping (feição subsuperficial), as mudanças no uso e ocupação da terra, características físicas do solo e das encostas, contribuem para intensificação da ação pluvial para a desnudação do relevo ao longo do tempo, bem como para a formação de voçorocas.


Bom dia, a todos os apaixonados pela Climatologia. É com muita alegria que retomamos no início do ano (Fevereiro de 2011) o projeto Conversando sobre a Climatologia , que busca entrevistar  especialista da área sobre seus trabalhos e linhas de pesquisas, que são desenvolvidos em seus respectivos departamentos. Nesse jornada, a entrevista a seguir foi realizada com o Prof. Wellington Lopes Assis (UNI-BH), que em meados do  ano de 2010 finalizou sua tese de doutoramento no Programa de Pós-graduação em Geografia pela UFMG, iontitulada: O sistema clima urbano do município de Belo Horizonte na perspectiva têmporo-espacial, orientada pela Profa. Dra. Magda Luzimar de Abreu.

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BIOCLIMA: No estudo desenvolvido em seu doutorado, você abordou o clima urbano de Belo Horizonte e procuraram correlacionar as dinâmicas naturais e humanas, a fim de compreender o campo térmico do município. Nesse contexto, pode-se dizer que a dinâmica espaço-temporal da temperatura do ar e da umidade do ar é semelhante a outros grandes centros, que também realizaram esse tipo de estudo, como Rio de Janeiro (Brandão, 1996), Londrina (Mendonça, 1994), Florianópolis (Mendonça, 2006) e Tarifa e Armani (2001)? Na imagem acima encontramos da esquerda para direita o Professor Edson Soares Fialho, coordenador do Laboratório de Biogeografia e Climatologia da UFV; seguida ao lado do Prof. Wellington Lopes Assis (UNI-BH), o nosso entrevistado e o Professor Carlos Jardim da UFMG.

De acordo com as respostas obtidas em meu doutorado, e em outras pesquisas realizadas em Belo Horizonte, diria que a configuração do campo térmico e hígrico da capital mineira é semelhante em determinados aspectos e diferente em outros às localidades citadas. Semelhante pelo fato das áreas mais verticalizadas e impermeabilizadas, como em qualquer grande centro urbano, possuírem elevada capacidade de retenção de energia térmica durante o dia e lenta capacidade de dissipá-la no período noturno. Este processo faz com que sejam observados núcleos de aquecimentos, ou ilhas de calor, no período noturno nas partes mais adensadas e edificadas da cidade, tanto no hipercentro como na periferia. Também é semelhante à importância que os parques e praças públicas têm no arrefecimento da atmosfera local, seja em função da evapotranspiração e evaporação dos espelhos d’água ou pelo simples sombreamento proporcionado pelas copas das árvores. As menores temperaturas e os maiores valores de umidade relativa do ar são observados nestes locais. Entretanto, existem determinadas especificidades no campo térmico e hígrico em Belo Horizonte que nem sempre são observadas nas localidades acima. Por exemplo, os maiores gradientes horizontais de temperatura e umidade relativa do ar entre as áreas urbanizadas e arborizadas são observadas nos bairros periféricos e não no hipercentro da cidade, como geralmente é descrito na literatura. Ao georeferenciar os dados da temperatura média foi possível observar, pelo comportamento das isotermas, núcleos mais quentes na periferia do hipercentro, notadamente na porção noroeste do polígono, e um núcleo mais “frio” na parte central (Figura 1) – correspondendo a uma área entre o Parque Municipal e a Praça Floriano Peixoto, abarcando a Praça da Liberdade e o bairro Funcionários. Os pontos localizados nas imediações da Av. do Contorno e na “periferia” do hipercentro apresentaram os maiores valores de aquecimento entre 06h e 15h e elevadas taxas de resfriamento das 16h às 06h.

Figura 1 - campo III

Figura 1

O desempenho térmico destes locais pode ser explicado pela maior exposição aos raios solares no período da manhã e início da tarde, e ao tipo de uso do solo que possibilita elevados ganhos térmicos durante o dia e rápida dissipação de energia após o pôr-do-sol. Já os pontos situados no “core” do hipercentro, e em outros locais verticalizados da região central, apresentaram um menor aquecimento entre 06h e 15h e um menor resfriamento noturno. Outro ponto diz respeito à influência da Serra do Curral no comportamento diário da temperatura e umidade. Mesmo sob intensa verticalização e adensamento das edificações, os bairros situados a sul e sudeste do município não apresentaram nos trabalhos campo núcleos de aquecimento e áreas de desconforto térmico durante o dia e nem ilha de calor no período noturno (Figura 3).
A altitude e a menor obstrução à circulação dos ventos amenizam os ganhos térmicos e facilita o arrefecimento da atmosfera local. Nos experimentos de campo observou-se que o desempenho térmico e hígrico do hipercentro de Belo Horizonte possui características diferentes das relatadas em cidades temperadas, conforme já havia observado Assis em 1997 e 2001. O hipercentro não é o local mais quente e nem o mais seco do município. Apesar de não ter alcançado as máximas temperaturas e os menores índices hígricos, como nos modelos clássicos, a ilha de calor na região central apresentou o menor resfriamento noturno. Este comportamento foi sugerido pela análise do desvio padrão e pelo coeficiente de variação da temperatura média do ar, pois não foram utilizados instrumentos para a realização de medições do balanço de radiação. Em termos de sensação térmica, as áreas periféricas ao hipercentro, bem como os aglomerados e vilas, tendem a ser piores do que o CDB (Central Business District) sob condições de céu claro e alta incidência de radiação solar. Generalizando, pode-se afirmar que a espacialização e as características do campo térmico e hígrico apresentados em Belo Horizonte, assim como em outras metrópoles latino-americanas, são raramente observadas em cidades européias e americanas, visto que estas se desenvolveram de forma concêntrica e localizam-se em sítios cuja topografia é pouco irregular. A maioria das grandes cidades localizadas nos trópicos e em países de industrialização tardia possui características de polinucleação. Além disso, algumas delas estão assentadas em sítios com significativas variações altimétricas.Figura 3 - campo II

BIOCLIMA: Quais são os maiores entraves no desenvolvimento de estudo do campo térmico em áreas urbanas?

Como em toda pesquisa em clima urbano, os resultados dependem da padronização e qualidade das informações obtidas em campo. Poderia elencar vários pontos críticos que acabam dificultando a vida do pesquisador quando estes não são observados com certo critério, mas sem sombra de dúvida dois merecem destaque: o número de equipes responsáveis pela coleta dos dados in situ e o número de estações meteorológicas oficiais. São poucos os estudos que podem contar com uma equipe em número razoável e bem treinada para a realização dos experimentos de campo, especialmente se estes forem realizados em uma grande metrópole como São Paulo ou Rio de Janeiro, onde a complexidade e multiplicidade no uso do solo exigem coletas em diversos pontos do tecido urbano nas mais variadas condições de tempo. Outro fator é a baixa densidade de estações meteorológicas oficiais no território nacional. De fato, são raros os grandes centros urbanos no Brasil que possuem mais de duas estações meteorológicas oficiais. Isto é um fator complicador, pois geralmente são utilizadas informações destes locais como referencial de uma atmosfera “não urbanizada“ que, em tese, responderia pelas condições atmosféricas sem a interferência de edifícios ou áreas pavimentadas. Além disso, a maioria dos estudos não dispõe de estações meteorológicas dedicadas à mensuração dos elementos climáticos ao nível da camada de cobertura urbana – UCL (Urban Canopy Layer (UCL) é a porção da atmosfera que se estende desde o solo até aproximadamente o nível médio da altura das edificações dentro do tecido urbano, compreendendo o volume de ar entre os edifícios (OKE, 1978). A UCL é fortemente afetada pelas condições envolventes, sendo caracterizada como escala topoclimática) ou da camada limite urbana – UBL (Urban Boundary Layer (UBL) é a porção da atmosfera que está acima da UCL e dentro da camada-limite planetária, sendo uma camada de escala mesoclimática (OKE, 1978). Grande parte de suas características são determinadas pelo tecido urbano), sendo mais específico, equipamentos destinados exclusivamente ao registro e acompanhamento das condições atmosféricas nos primeiros metros da camada-limite planetária (Quando se leva em conta o efeito que a superfície terrestre provoca no movimento do ar, é comum dividir a troposfera em duas regiões: camada-limite planetária e atmosfera livre. A primeira estende-se da superfície do solo até, no máximo, 2 a 3 quilômetros de altura, possuindo 10% da massa atmosférica (VIANELLO e ALVES, 1991). Caracteriza-se por movimentos turbulentos gerados pelo atrito do ar junto à superfície e pelo intenso aquecimento basal, processos que facilitam a troca de vapor d’água e calor entre o solo e a atmosfera. A segunda encontra-se acima da camada-limite e não é influenciada diretamente pelos efeitos da topografia, o escoamento horizontal prevalece sobre o vertical (VAREJÃO-SILVA, 2000).

Outra dificuldade diz respeito às autorizações para coleta dos dados nos pontos amostrais. Nem sempre é possível coletar o dado no local pretendido. Muitas vezes todo trabalho despendido na escolha do ponto amostral, auxiliada geralmente pelo ferramental cartográfico (mapa de uso do solo, modelo digital de terreno, etc.) e visitas in loco que pode demandar meses, tem que ser descartado. Especialmente se este ponto está localizado em bairros nobres ou em áreas indústrias. Nas minhas pesquisas, em várias ocasiões tive que substituir ou re-alocar o ponto amostral, pois não obtive a autorização para instalação do abrigo meteorológico e permanência do observador.

BIOCLIMA: Em muitos estudos, os títulos dos trabalhos pressupõem uma hipótese dada como liquida e certa. Como se fosse possível provar algo antes de realizar o experimento. Por conta disto, o termo clima urbano, vem sendo vulgarizado ao extremo. Em alguns casos, trabalhos que realizaram um experimento, afirmam que a cidade em análise tem clima urbano. Apesar do interesse pelo estudo do clima da cidade estar aumentando gradativamente, equívocos no uso de certas terminologias vão se perpetuando. Nesse sentido, a pergunta é: Quais são as condições ou fatores que devem ser elencados para se chegar a conclusão que uma cidade tem clima urbano?

Penso que só é possível classificar um clima local como um clima urbano se as condições de alteração do sítio forem significativas ao ponto de interferirem no comportamento dos parâmetros meteorológicos e diferenciá-los do entorno imediato. Estas alterações são bem visíveis e mensuráveis nos grandes centros e em cidades médias. Entretanto, acho um pouco complicado utilizar o termo clima urbano para uma cidade com baixo grau de urbanização, impermeabilização, verticalização e com baixa densidade demográfica. Por exemplo, a cidade de Monjolos, localizada no centro-norte de Minas Gerais, definitivamente não possui um clima urbano. Com aproximadamente 2.500 habitantes e constituída basicamente por edificações unifamiliares de um pavimento, ruas arborizadas e capeadas com bloquetes vazados, não apresentada alterações significativas na temperatura e umidade relativa do ar ao ponto de diferenciá-las do clima circundante.

BIOCLIMA: Prof. Wellington. Embora seja um cidadão Belo Horizontino, acredito que deva conhecer outras regiões do Estado de Minas Gerais. E como no nosso blog temos leitores de diversas parte do Brasil, gostaria que pudesse explicar por que Minas Gerais apresenta um grande mosaico climático?

Os inúmeros tipos climáticos observados no Estado de Minas Gerais podem ser explicados pela elevada diversificação nos principais controladores climáticos regionais verificados em seus 586.528km² (IBGE, 2000). Estes interagem e atuam simultaneamente, determinando a distribuição de energia solar e o ritmo de todos os parâmetros meteorológicos que atuam no Estado. Dentre estes controladores, destacam-se os fatores de ordem estática (latitude, altitude, topografia e continentalidade) e os fatores dinâmicos (sistemas atmosféricos atuantes). A distância de somente 3º 30’ de latitude do Trópico de Capricórnio implica uma realidade de transição entre a atuação de sistemas atmosféricos típicos dos regimes tropicais, com período seco e úmido definidos, observados em grande parte do Sudeste brasileiro, e aqueles subtropicais, permanentemente úmidos, característicos da região Sul. Em função desta localização, o Estado é bastante freqüentado pelos avanços de sistemas frontais e linhas de instabilidades, oriundos de Sul e Oeste respectivamente – fatores dinâmicos que definem em grande medida as baixas temperaturas observadas no outono e inverno e mais de 80% da precipitação acumulada anual. Minas Gerais está inserida na grande faixa intertropical, sendo possível observar a altura do Sol em 90º (zênite) duas vezes ao ano. Tal fato implica numa relação direta entre a quantidade de radiação incidente e a disponibilidade de energia para o sistema climático. Como a transferência de energia da superfície para a camada laminar é o principal responsável pelo aquecimento atmosférico basal, a razão de aquecimento do ar será na mesma proporção da intensidade de energia absorvida ou refletida pela superfície. A dinâmica climática de Minas Gerais está intimamente relacionada aos componentes da circulação atmosférica global, notadamente os centros de ação, que determinam em grande parte as principais condições meteorológicas observadas no Estado. Estes podem ser de larga escala, extrapolando os limites continentais, ou transientes, associados aos condicionantes regionais de circulação. Entre os sistemas atmosféricos que atuam diretamente sobre o território mineiro destacam-se o Anticiclone Subtropical Atlântico Sul (ASAS), o Anticiclone Subpolar Atlântico Sul (APAS), os Sistemas Frontais, as Linhas de instabilidade (LI), a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) e esporadicamente a Alta da Bolívia (AB) e a Baixa do Chaco (BC).

Principais características dos sistemas atmosféricos atuantes no Estado de Minas Gerais

Texto extraído e adaptado de ASSIS (2010).

O Anticiclone Subtropical Atlântico Sul (ASAS) exerce influência durante todo o ano no Estado de Minas Gerais, especialmente na primavera-verão. Tem origem no centro de ação semi-permanente, relacionado à zona de alta pressão do Atlântico Sul. Quando localizado sobre áreas oceânicas, possui altas temperaturas e alto teor de umidade nos níveis inferiores. A sua influência sobre os tipos de tempo no município se caracteriza por relativa estabilidade, gerada pelos fortes movimentos subsidentes, elevadas temperaturas e baixo teor de umidade relativa. A permanência deste sistema por vários dias na região faz com que o mesmo adquira características de continentalização, gerando condições de bom tempo.

Outro sistema sinótico que proporciona condições de estabilidade atmosférica no Estado é o Anticiclone Subpolar Atlântico Sul (APAS). Oriundo do Sul do continente, mais precisamente na zona subantártica, nas proximidades do centro-sul da Patagônia, atua na meteorologia do município com maior periodicidade no outono e inverno. Este sistema é impelido em direção às baixas latitudes pela ação dos centros de baixas pressões tropicais e equatoriais, recebendo influências termodinâmicas do relevo sobre o qual se movimenta.

Ao atingir o território mineiro, o APAS, já em processo de tropicalização, tem sua temperatura e o teor de umidade relativa do ar aumentados. Porém, ainda é responsável pelas quedas térmicas e reduzidos índices de pluviosidade, ocasionando tipos de tempo amenos e estáveis durante o outono-inverno. É comum observar situações de inversões térmicas próximas a superfície quando da atuação deste sistema, propiciando o acúmulo de poluentes e particulados nas regiões deprimidas e fundos de vale. Durante a estação chuvosa, o Anticiclone Subpolar do Atlântico Sul, ao deslocar-se em direção às latitudes mais baixas, atinge Minas Gerais um bastante descaracterizado, apresentando um pouco mais de umidade e temperaturas mais elevadas se comparado com a sua atuação no outono-inverno.

Os sistemas frontais, representados especialmente pelas Frentes Frias (FF), são caracterizados por invasões do Anticiclone Subpolar Atlântico Sul (APAS) na região Sudeste, oriundos do Sul do continente. Fazem parte de ondas atmosféricas de larga escala (ondas baroclínicas – Segundo o INPE (1986) é uma onda cujo mecanismo de desenvolvimento ou manutenção está associado a instabilidade baroclínica, vulnerabilidade de um escoamento planetário representado pela corrente de jato a uma perturbação de escala sinótica e/ou subsinótica. Normalmente possuem escala horizontal da ordem de 1000 km e são acompanhadas de ventos fortes nos altos níveis na troposfera.

) e formam-se no contato entre as massas de ar com propriedades termodinâmicas diferenciadas. Atuam na região Sul e Sudeste do Brasil o ano todo. As FF avançam em direção as latitudes mais baixas em forma de arco, impulsionadas pelo centro de alta pressão (APAS). Deslocam-se preferencialmente para o oceano Atlântico e podem levar precipitação até o litoral leste da região Nordeste.

A passagem destes sistemas (FF) sobre Minas Gerais é acompanhada por instabilidade atmosférica, mudanças na direção e velocidade dos ventos e, normalmente, intensas precipitações. De fato, as frentes frias contribuem para ocorrência de chuvas durante a primavera e verão, especialmente quando associadas à atuação de Linhas de Instabilidade (LI) e da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) (ABREU, 1998; MOREIRA, 2002; LUCAS, 2007). Após a passagem da FF o tempo torna-se estável, com céu limpo e baixas temperaturas.

As Linhas de Instabilidade (LI) são centros de baixa pressão relacionados à passagem de sistemas frontais frios no litoral da região Sudeste ou pela atuação da convecção tropical. Depois de formadas, deslocam-se com extrema mobilidade numa velocidade de até 60 km/hora, embora possam permanecer estacionárias (NIMER, 1979). Constituem-se num dos principais agentes causadores das chuvas do Estado, a maioria de caráter torrencial e de curta duração – conhecidas popularmente como “chuvas de verão”.

A atuação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) em Minas Gerais ocorre na estação chuvosa, devido às condições de instabilidade proporcionadas pelas altas temperaturas observadas no continente sul-americano nesta época do ano. É formada pela associação entre os sistemas frontais frios (FF), oriundos do Sul do país, e pela organização da convecção tropical, principalmente proveniente da região amazônica. Na medida em que avançam os sistemas frontais sobre o continente, ocorre o alinhamento dos centros de baixa pressão, formando intensa nebulosidade no território brasileiro, com uma orientação predominante noroeste-sudeste (ABREU, 1998).

A Alta da Bolívia (AB) e a Baixa do Chaco (BC) atuam em Minas Gerais de forma mais episódica e indireta, especialmente durante o verão, quando áreas de baixa pressão estão fortificadas sob o continente Sul-Americano. O forte aquecimento convectivo na bacia amazônica durante o verão resulta na formação de baixas pressões próximas à superfície da região do Chaco e uma alta pressão nos altos níveis da troposfera sobre a Bolívia (INPE, 1986). Os tipos de tempo observados na capital mineira sob o domínio destes sistemas são de relativa instabilidade convectiva, proporcionado pelas altas temperaturas e elevadas taxas de umidade relativa, chuvas de caráter convectivo e tempestades.

Referência Bibliográfica

ABREU, M. L. Climatologia da estação chuvosa de Minas Gerais: de Nimer (1977) à Zona de Convergência do Atlântico Sul. Geonomos, Belo Horizonte, v. 4, n. 2, dez. p.17-22, 1998.

ASSIS, W. L. O sistema clima urbano do município de Belo Horizonte na perspectiva têmporo-espacial. 2010. 299f. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.

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_________. Estudos preliminares para um programa de diagnóstico de ilha de calor para a mancha urbana de Belo Horizonte – MG. 1997. 84f. Monografia (Graduação em Geografia, Bacharelado) – Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1997.

INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE). CENTRO DE PREVISÃO DE TEMPO E ESTUDOS CLIMÁTICOS (CPTEC). Climanálise: boletim de monitoramento e análise climática. São José dos Campos, n°. espec. out. 1986. 125p.

LUCAS, T. P. B. Chuvas persistentes e ação da Zona de Convergência do Atlântico Sul na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2007. 158f. Dissertação (Mestrado em Geografia e Análise Ambiental) – Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.

MOREIRA, J. L. B. Estudo da distribuição espacial das chuvas em Belo Horizonte e seu entorno. 2002. 186f. Dissertação (Mestrado em Geografia e Análise Ambiental) – Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002.

NIMER, E. Climatologia do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1979. 421p.

OKE, T. R. Boundary layer climates, London: Methuem & Co. LTD, 1978. 372p.

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VIANELLO, R. L.; ALVES, A. R. Meteorologia básica e aplicações. Viçosa: UFV, 1991. 449p.


É com imensa alegria e satisfação que o Laboratório de Biogeografia e Climatologia (BIOCLIMA) da Universidade Federal de Viçosa entrevista a Prof. Dr. Isorlanda Caracristi do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Vale do Acarajú/UVA – CE, participou,  no último Simpósio de Climatologia Geográfica, realizado em Fortaleza entre 26 e 30 de setembro desse ano, como ministrante do mini-cursoClimatologia e Ensino: abordagens e técnicas. Boa leitura!

Entrevista realizada em Novembro de 2010.


É com imensa alegria e satisfação que o Laboratório de Biogeografia e Climatologia (BIOCLIMA) da Universidade Federal de Viçosa entrevista a Prof. Dr. Isorlanda Caracristi do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Vale do Acarajú/UVA – CE, participou,  no último Simpósio de Climatologia Geográfica, realizado em Fortaleza entre 26 e 30 de setembro desse ano, como ministrante do mini-cursoClimatologia e Ensino: abordagens e técnicas. Boa leitura!
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Entrevista realizada em Novembro de 2010.
BIOCLIMA: Em mini-curso ministrado no IX Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica,  “Climatologia e Ensino: abordagens e técnicas” você salientou a necessidade de reconstruir pedagogicamente o que é científico, um dos grandes desafios no ensino de Geografia, em especial da Climatologia.  Nesse sentido, qual(is) caminho(s) poderia (m) auxiliar o licenciado em Geografia a intercambiar o que é produzido na academia com sua prática escolar?
Para mim, ser didático ou tratar “pedagogicamente” um tema não é dissecar uma questão complexa em fragmentos dispersos: não é ser simplista e reducionista e nem pensar o educando como pensantes simplórios. Ser didático é ter a capacidade teórico-metodológica de estabelecer relações entre os conteúdos/conceitos e o cotidiano vivido pelo aluno, fazendo-o “sentir” os conteúdos/conceitos para além dos sentidos visuais e auditivos, fazendo-o “emocionar-se” (semelhante ao que nos alerta MATURANA em “A Ontologia da Realidade”, 2001).Esta não é questão fácil de responder, pois não existe “um caminho” e sim várias reflexões críticas sobre a questão buscando entendê-la em sua complexidade e a partir desse entendimento tenta-se construir processos de superação do hiato existente entre conhecimento acadêmico e escolar. Dentre os aspectos que venho refletindo posso ressaltar o entendimento sobre “o que é ser didático”, ou o que é “transpor” no contexto pedagógico e em que nível se dá uma aprendizagem mais integral.

A aprendizagem só se efetua plenamente quando associa o nível racional com o nível das experiências/vivências cotidianas, constituindo-se num processo de ampliação reflexivo-sensorial.

Nesse contexto, Ensinar é despertar no aluno um sentimento crítico e integral de pertencimento, é (e)motivá-lo a ação reflexiva e prática diante do mundo em que vive.

Em outras palavras, a questão não é “transpor” o conhecimento acadêmico para o ensino de Geografia, o problema não é de escala vertical ou horizontal (o acadêmico sendo mais profundo e complexo e o escolar mais superficial e simples) e sim de reconstrução de conhecimento, levando-se em conta os pressupostos teórico-metodológicos geográficos e pedagógicos e as potencialidades próprias do contexto psicossocial e cultural do educando. Isso implica a pesquisa como um diálogo contínuo e intrínseco à práxis docente.

A Geografia Física, incluindo os conteúdos de climatologia, no ensino fundamental e médio tem o papel primordial de intermediar esse processo  de refletir-sentir o mundo por meio das relações dialógicas entre Natureza e Sociedade (relações ambientais) que constituem e são constituídas o/no espaço de vivência do educando.

Colaborando com o processo de sua formação integral, alicerçando-o para o exercício de uma cidadania ativa.

BIOCLIMA: A confecção de instrumentos climatológicos foi uma das metodologias propostas  no mini-curso e, por extensão, na rede pública de ensino. A elaboração dos equipamentos, mediada pelo professor, faz com que o aluno também atue como produtor do conhecimento. Dessa forma, as aulas práticas como visitas à estação meteorológica, bem como a construção de pluviômetros, anemômetros, abrigos, etc., ajudam a diminuir o grau de abstração dos alunos em relação aos conteúdos de climatologia?

A meu ver, as duas perguntas acima se complementam, portanto irei respondê-las conjuntamente. Pelas experiências que venho vivenciando em minhas orientações de trabalhos de conclusão de curso (TCC’s) junto aos licenciandos em Geografia, tais práticas contribuem sim com a melhoria do processo de ensino aprendizagem

Compreender a dinâmica climática como parte de uma dinâmica maior da natureza e consequentemente da constituição das paisagens, lugares, regiões e territórios. Esta deve ser a perspectiva geográfica dos conteúdos de clima em nível escolar. Tal compreensão torna-se mais plena quando se associa teoria à prática, quando os alunos são ativos construtores de conhecimento, ou seja, as atividades práticas em sala de aula, os estudos do meio e aulas de campo são indispensáveis. A confecção e aplicação de instrumentos de medição de parâmetros climáticos  pode consistir num procedimento prático/técnico, auxiliador da construção dos conceitos de Clima, de Paisagem e Natureza. Os alunos ao construírem os instrumentos artesanais e ao aplicá-los em campo vão desenvolvendo bases à compreensão dos conceitos climatológicos e acerca da dinâmica da paisagem local, assim como das suas inserções como agentes participativos na/da Natureza. Além de desenvolver espírito coletivo e investigador (exercício à pesquisa), como o senso de planejamento, observação, análise e síntese. Ao colocar o aluno em contato direto com a realidade, facilita-se o processo de problematização das questões suscitadas pelos conteúdos em sala e põe o aluno em papel ativo, onde todas as suas dimensões sensoriais podem ser experienciadas e suas reflexões podem ser confrontadas. É o momento privilegiado onde teoria e prática se integram, onde aluno e professor se inserem no movimento do espaço geográfico.

BIOCLIMA: Mesmo diante do avanço das práticas alternativas de ensino, ainda prevalecem na escola práticas ” acomodadas”, isso se verifica a partir da prática docente que utiliza o livro não como meio e/ou instrumento, mas sim como fim. Nessa direção, o que você atribui ao uso majoritário desse material? 
A maioria das escolas, principalmente as da rede pública municipal, possui um precário suporte didático, tanto no que se refere ao acervo bibliográfico, mapas, acervo audiovisual, quanto no que diz respeito a outros materiais didáticos como jogos, globos, revistas, jornais, DVD’s, aparelhos de som, computadores etc. Levando o livro didático a ser um dos poucos ou único recurso didático disponível. Esse fato associado à precarização do trabalho docente (baixos salários e sobrecarga de horas/aula), impondo ao professor um ritmo de vida que torna inviável “o algo mais” criativo e motivador que só o tempo livre para a reflexão/ação proporciona, reforçando assim  a prática da “mesmice”, do uso quase exclusivo do livro didático. 

BIOCLIMA: É possível identificar alguns equívocos nos livros didáticos do ensinofundamental e médio quanto ao conceito de clima e os demais, além disso, háuma desarticulação entre as unidades e a fragmentação dos conteúdos de climatologia o que dificulta a aprendizagem do aluno. Nesse ínterim, quais seriam os imperativos para que a abordagem do clima pudesse operar de forma mais(geo)sistêmica?  Os livros didáticos tratam pedagogicamente um conteúdo dissecando-o em fragmentos ou desenrolando-o em um esquema lógico linear de causa e efeito, pois possuem a concepção didática mecanicista que critiquei acima: ser didático = ser simplista ou fundamentalmente analítico. A linguagem é predominantemente afirmativa e a naturalização dos conceitos é adotada, o que bloqueia o potencial de criticidade dos processos pedagógicos centrados nos livros didáticos.

Apesar do desenvolvimento do pensamento sistêmico nas produções geográficas acadêmicas, os conteúdos de geografia física escolar continuam fragmentados, observando-se avanços só quando considerados sob a ótica dos domínios morfoclimáticos, porém peca-se quando os mesmos são pedagogicamente trabalhados apenas de forma descritiva, ou seja, conteúdos integrados com práticas de ensino que não faz revelar a dinâmica de relação integradora das paisagens. Essa mesma colocação vale para os conteúdos de climatologia que são considerados os mais “chatos e difíceis” pelos alunos do ensino fundamental e médio, conforme nossas constatações advindas das pesquisas de TCC’s. Os temas de climatologia são tratados de forma altamente descritiva e desarticulada tanto da realidade dos alunos como dos demais temas do livro didático. É “imperativo” que tais temas/conteúdos sejam trabalhados de forma não mecanicista, sempre tendo como ponto de partida uma realidade próxima à vivência do aluno e buscando as interfaces com os demais conteúdos geográficos.

Os conteúdos de climatologia, como qualquer outro conteúdo geográfico, devem ser ensinados-aprendidos a partir dos conteúdos-vivências dos educandos: por meio de uma relação dialógica onde os conteúdos científicos (geográficos) que se ensina (educador) interagem de forma reflexiva e solidária com os conteúdos cotidianos (educando),produzindo/construindo novos conteúdos científico-vivenciais(educador e educando como sujeitos do processo ensino-aprendizagem).

O professor pode, num contexto crítico e construtivista,  desenvolver atividades com os temas de clima onde as noções sistêmicas de organização e dinâmica natural se inter-relacionem aos conceitos de Paisagem, Lugar, Região, Território, Meio Urbano e Rural, e aos próprios processos históricos de apropriação sócio-espacial do lugar onde vive o aluno, por exemplo. É assim que a perspectiva sistêmica acadêmica se reconstrói pedagogicamente e é recriada no processo ensino-aprendizagem escolar.

A meta é (e)motivar o educando a ação reflexiva e prática diante do mundo; o meio são os conhecimentos geográficos da natureza/clima e as práticas pedagógicas; e a perspectiva é a do espaço geográfico em suas várias dimensões relacionais, incluindo às sistêmicas.


Dando continuidade a nossa série de entrevista a respeito da climatologia brasileira, é com imensa alegria que o BIOCLIMA entrevista a Professora Erika Collischonn, professora do departamento de Geografia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) , parrticipou,  no último Simpósio de Climatologia Geográfica, realizado em Fortaleza entre 26 e 30 de setembro desse ano, como palestrante na mesa redonda: CLIMATOLOGIA E GESTÃO DO ESPAÇO URBANO, que também contou com a participação do professor  Adeildo Cabral Silva (IFET-CE) e da professora Margarete C. T. Amorim (Unesp-Presidente Prudente).
Boa leitura e não esqueça de comentar.

erika
Bem, não vejo bem dessa forma, talvez porque a cidade pequena com a qual trabalhei não tem um único dono, o coletivo é mais presente. Talvez seja característica das áreas coloniais. Não há grandes propriedades de terra, na região. A maioria das propriedades tem 25 hectares ou menos. Esse aspecto se reflete também no urbano, onde todo mundo é um pouco colono. Na verdade, também não acho ruim que indivíduos ou o coletivo se sintam donos, porque principalmente na lógica colonial, quem é dono cuida do que é seu para as gerações futuras. Mas obviamente há um conflito de interesses em jogo que transparece também no Plano Diretor e na prática de gestão urbana. Mas acho que o problema maior, atualmente, que tem inviabilizado a realização cidades melhores para o coletivo, está na lógica perversa da chamada Guerra Fiscal, com a qual as empresas multinacionais trabalham para maximizar seu lucros. Isso ocorre na cidade de Venâncio Aires com as empresas do setor fumageiro, que sempre estão ameaçando mudar de cidade e de estado, caso não sejam atendidas certas exigências como baixar impostos, construir mais equipamentos urbanos para atender as suas necessidades.  Os gestores urbanos se vêem encurralados por esta situação, que na verdade não é dirigida por um dono claramente distinguível, são de fato as exigências do capital que transformam os planos diretores em letra morta.  BIOCLIMA. No estudo desenvolvido em seu doutorado, que abordou as inundações em Venâncio Aires/RS, você procurou correlacionar as dinâmicas naturais e sociais no processo de formação de riscos socioambientais urbanos. Nesse contexto, pode-se dizer que o gerenciamento do risco realizado nas cidades brasileiras de pequeno e médio porte, que muitas vezes tem seus “donos ou proprietários” é baseado na probabilidade de custo e benefício do indivíduo, em detrimento do bem estar coletivo? Caso afirmativo. Como ficam as diretrizes e normatizações dos planos diretores para as cidades acima de 20 mil habitantes? Uma letra morta?

BIOCLIMA Profa. Erika. Até o ano passado você ministrava aulas na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e agora reside em Pelotas, em razão de ser professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Como no nosso blog temos leitores de diversas parte do Brasil, gostaria que pudesse estabelecer as diferenças do comportamento dos elementos do clima em razão da localização e posicionamento de ambas cidades no contexto do Rio Grande do Sul.

A diferença básica aí é o fator maritimidade-continentalidade, ainda que a diferença latitudinal e de relevo também tem seu peso. Santa Cruz do Sul, encontra-se a 30ºS, na porção centro-oriental do Rio Grande do Sul, na chamada Depressão Periférica Gaúcha. A cidade está rodeada a norte pelos Patamares da Serra Geral e a escarpa do Planalto se encontra a poucos quilômetros.  No inverno em dias de tempo anticiclônico, como a cidade está em zona  rebaixada, nota-se o acúmulo de ar frio pela manhã. Em situação pré-frontal, principalmente na primavera, a sensação de abafamento se amplia porque o vento norte ao descer a escarpa do planalto sofre compressão adiabática.   Pelotas está a 32ºS à beira da Lagoa dos Patos e muito próxima do Oceano Atlântico; assim, as temperaturas em média já são mais baixas que em Santa e a brisa marinha é praticamente constante o ano todo o que faz com que ocorra também menor amplitude térmica tanto diária como anual. Muitos dos sistemas frontais que escapam pelo Oceano, não trazendo chuva e umidade para a área mais interiorizada do continente ainda deixam rastros de umidade na forma de chuvas ou nevoeiro sobre Pelotas. Então é uma cidade muito úmida. Em final de janeiro de 2009 ocorreu um evento pluviométrico excepcional em Pelotas e entorno. Os pluviômetros da Embrapa em várias localidades registraram uma precipitação entre 550 e 600mm de chuva num único dia.

BIOCLIMA. Em muitos estudos, os títulos dos trabalhos pressupõem uma hipótese dada como liquida e certa. Como se fosse possível provar algo antes de realizar o experimento. Por conta disto, o termo clima urbano, vem sendo vulgarizado ao extremo. Em alguns casos, trabalhos que realizaram um experimento, afirmam que a cidade em análise tem clima urbano. Apesar do interesse pelo estudo do clima da cidade estar aumentando gradativamente, equívocos no uso de certas terminologias vão se perpetuando. Nesse sentido, a pergunta é: Quais são as condições ou fatores que devem ser elencados para se chegar à  conclusão que uma cidade tem clima urbano?

Com certeza, muitos de nós, porque lemos sobre ilhas de calor ou porque, no dia a dia, sentimos calor e abafamento quando estamos às voltas pelo centro da cidade, queremos provar essa hipótese. E quando não registramos grandes diferenças de temperatura, ficamos decepcionados, achamos que o problema está na forma de medida queremos mudar a posição dos mini-abrigos para ver se registramos as diferenças que queremos.  Ao meu ver essa questão que você coloca já é um passo além, de amadurecimento da pesquisa. Para chegar a esta conclusão teria que se comprovar que as superfícies, materiais e as atividades urbanas provocam mudanças nos balanços de energia, massa e movimento.
BIOCLIMA. Profa. Erika, em seu artigo: Superando a educação bancária na formação de professores de Geografia através da experimentação, publicada na Revista Ágora (Unisc-on-line), você afirma que o aluno dificilmente reconstrói o processo da descoberta, elaboração e utilização dos instrumentos que dão origem  aos dados se não aprender como é o seu funcionamento e não acompanhar um levantamento de dados. Nesse sentido, pergunto: O ensino de climatologia na universidade (pública e privada) consegue instrumentalizar o futuro professor de Geografia a transpor os conceitos básicos do ensino do clima para o ensino fundamental e médio?

Bom, não posso escrever sobre o coletivo porque não realizei um levantamento amplo para saber se ocorre esta transposição, mas construo minha prática a partir os exemplos de professores que tive na vida e que me permitiram reconstruir o processo de descoberta. Lembro assim um professor de ciências que tive na quinta-série, que me fez construir um higrômetro com a crina de um cavalo. Nunca esqueci este experimento e a relação entre a mudança do ponteiro do higrômetro e as mudanças de tempo. Depois na faculdade foi o professor Heinrich Hasenack que, com instrumentação simples e depois também mais sofisticada, me fez compreender os fatores que fazem variar os valores registrados dos elementos do tempo e do clima na cidade.  Então, na minha prática esses exemplos me servem sempre como norte. Gosto de realizar experimentos com os alunos. Nem sempre eles são bem sucedidos e obviamente eles roubarão o tempo de outros “conteúdos”. Mas, é incrível ver como o rosto dos alunos se ilumina, quando num experimento muito simples com termo-higrômetros, conseguem realizar a cognição da relação inversa que ocorre na variação da temperatura e umidade relativa do ar ao longo de um dia com sol.


É com imenso prazer que o blog do BIOCLIMA, inaugura esta nova página para realizar as entrevistas com os pesquisdores de climatologia. E com alegria nós iniciamos esta nova empreitada com a Professora Magaly Mendonça – Professora do Departamento de Geografia da UFSC e que comporá a mesa redonda: IMPACTOS, VULNERABILIDADES, RISCOS E ADAPTAÇÕES À VARIABILIDADE E MUDANÇAS CLIMÁTICAS, no IX Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica (SBCG), que será realizado entre 26 e 30 de setembro de 2010 , na cidade de Fortaleza. Boa leitura e não esqueça de comentar.

Entrevista concedida pela profª Magaly Mendonça (Professora do Departamento de Geografia da UFSC) ao Laboratório de Biogeografia e Climatologia da Universidade Federal de Viçosa-UFV (BIOCLIMA).

magaly

BIOCLIMA: Quase 10 anos após a criação da Associação Brasileira de Climatologia (ABCLIMA), o cenário da pesquisa em climatologia geográfica no Brasil mudou?


BIOCLIMA: Em artigo publicado em 2009 em parceria com Sandra Mendonça, intitulado: A Formação de professores de Geografia: Uma tarefa para pedagogos? Identifica-se uma preocupação com a formação dos professores de Geografia. Nesta seara, pergunto: O ensino de climatologia na universidade consegue instrumentalizar o futuro professor de geografia a transpor os conceitos básicos do ensino do clima para o ensino fundamental e médio?
Creio que sim. Mas a criação da ABCLIMA já foi o resultado de mudanças no modo da Geografia encarar a Climatologia. Penso que o trabalho do Prof. Carlos Augusto em seu Laboratório deu início a um esforço de qualificação geográfica para a Climatologia, resgatou-a da simplicidade do tratamento estatístico, revelou a importância do Geógrafo em conhecer os mecanismos da circulação e experimentá-los em trabalhos de campo, principalmente no estudo da climatologia urbana e daí para frente descortinou um mundo de possibilidades sobre o papel da Climatologia no entendimento de problemas geográficos. Por outro lado o tema das mudanças climáticas e os já rotineiros desastres ditos “naturais” também têm divulgado os esforços dos Geógrafos no entendimento de tais questões, nem tanto quando nos pusemos a procurar as evidências das mudanças climáticas, mas muito mais quando denunciamos que os desastres naturais vão continuar ocorrendo em qualquer clima, pois o problema está na descuidada maneira  com que o espaço é ocupado, e pelo modo como se permite a ampliação de vulnerabilidades ambientais para as populações que não possuem recursos para se defender da ocupação das áreas de risco, menos valorizadas e dotadas de investimentos públicos.

Creio que existe nas universidades entre meus colegas que se dedicam a Climatologia um esforço de popularizar os conhecimentos da climatologia porque estes são fundamentais ao cidadão tão alienado do seu meio. Gente que devido às distâncias que precisam ser percorridas no dia a dia, mal conhecem o lugar onde vivem e o outro, onde trabalham ou estudam. O aprendizado da climatologia depende muito da observação e este é um modo de se despertar as pessoas para conhecerem outros aspectos do mundo que as rodeia. Creio que fazemos isto nas universidades, mas não creio que chegue ao ensino fundamental e médio, infelizmente. Primeiro porque o ensino da Geografia física anda muito desvalorizado. Tudo se explica pela economia de um mundo globalizado onde toda a vida está subordinada ao sistema econômico. Em alguns livros didáticos a Geografia desaparece em meio a temas ambientais difusos, aborda-se a água, as florestas, o desmatamento, o lixo, sem situar tais questões no tempo e espaço, sem discutir as causas dos problemas, atribuindo as soluções a atitudes individuais como tomar banho rápido, plantar árvores ou separar o lixo. Não se questiona o consumo, afinal por trás dele está toda a base do desenvolvimento econômico, ícone do bem estar social ao qual “um dia vamos chegar”. Os livros didáticos além de se basearem, muitas vezes em informações genéricas da internet, dispensam não mais que duas páginas para abordar os conceitos de tempo e clima, seus elementos e fatores e um mapa com a classificação dos climas do Brasil ou do mundo, por vezes até um mapa do deslocamento das massas de ar e frentes, entretanto sem as devidas relações escalares que tragam esses conhecimentos para o dia a dia das crianças, adolescentes ou dos jovens e adultos do ensino fundamental e médio. Com certeza há algumas experiências de transposição do que se ensina na universidade, mas não é uma situação generalizada, apenas um esforço de poucos, dos que trabalham em escolas mais bem equipadas e com alunos mais bem formados, em classes menos lotadas.

BIOCLIMA: Os estudos mais recentes e os relatórios do IPCC divulgam evidências do aquecimento global. Porém, isto não quer dizer que não existam discordâncias, quanto a esta temática. Em sua opinião o planeta Terra está sofrendo um aquecimento global por conta das ações humanas? Ou ainda não temos condições de dizer isto?

Para nós Geógrafos fica difícil simplificar a questão das mudanças climáticas. Já nas primeiras fases da graduação aprendemos que a Terra sempre esteve submetida a mudanças climáticas globais, mesmo antes do aparecimento da humanidade. Aprendemos que estas mudanças sempre estiveram fora do controle dos habitantes da superfície terrestre, pois ocorreram por fatores astronômicos ou isostáticos. Por outro lado não desconhecemos a capacidade que temos de introduzir modificações no clima nas escalas microclimáticas e topoclimáticas, em nossos bairros, cidades e metrópoles. Creio que a discussão do aquecimento global possa ser baseada em dados reais, porém sem considerar a escala e a geografia desses dados, misturando-se dados que não podem ser comparáveis. Também se sabe que o aquecimento global está associado aos modelos matemáticos que não são capazes de conter toda a complexidade da atmosfera e sua inter-relação com a superfície terrestre. Não são capazes de não errar previsões de curto parazo, quatro, cinco dias. Como poderiam acertar em questão de 50, 100 anos? Creio que seja melhor que nos dediquemos a buscar o ritmo dos climas, as variabilidades de curto e médio prazo que já temos séries capazes de fornecer. Este creio, será um grande salto para a climatologia, para sua credibilidade e contribuição aos problemas cotidianos, como os desastres naturais desencadeados por fenômenos atmosféricos.

BIOCLIMA: Quais são os maiores entraves no desenvolvimento de estudo do campo térmico em áreas urbanas?

Desenvolvo com os alunos da disciplina de graduação em Geografia levantamentos de dados meteorológicos durante o ano em oito dias, quatro no primeiro semestre (março/maio) e quatro no segundo (agosto/outubro). Os levantamentos são realizados às 9h, às 15h e às 21h, em dois dias sexta e sábado e domingo e segunda, para testar a influência da estrutura e da funcionalidade da área urbana. Fazíamos também às 6h até o ano passado, mas a dificuldade de transporte coletivo e a segurança nos fez desistir deste horário. Os levantamentos são realizados como parte prática da disciplina e são utilizados para gerar mapas de isotermas e umidade relativa do ar e identificação de ilhas de calor. Ao final do semestre os alunos apresentam um relatório da pesquisa aplicando os conhecimentos de circulação atmosférica aprendidos na disciplina, analisando a distribuição das temperaturas e a localização das ilhas de calor, refletindo sobre as inter-relações entre o comportamento dos elementos do tempo e clima e o uso e ocupação do solo e das funções urbanas. O conjunto dos dados já levantados foi utilizado para o desenvolvimento de um trabalho de conclusão de curso e hoje para o desenvolvimento de uma dissertação de mestrado. Relato essa experiência porque é necessária a ajuda de muitas pessoas para o estudo do campo térmico em áreas urbanas. Mesmo que tivéssemos sensores automáticos instalados na cidade ainda precisaríamos, para garantir de gente para o monitoramento dos mesmos. Assim esta é uma dificuldade, ter pessoas dispostas ao trabalho de campo. Ainda que faça parte do plano de ensino da disciplina, nem todos os alunos são convencidos da importância do trabalho prático, embora no final da disciplina a maioria reconheça a validade para a aprendizagem. A obtenção dos equipamentos também não é tarefa fácil, embora tenhamos conseguido o que temos hoje para justamente aplicar na melhoria do ensino de graduação. No Sul do Brasil ainda temos a dificuldade da instabilidade do tempo. Ao marcarmos o trabalho de campo com antecedência não temos idéia do que pode ocorrer pois chove em todas as estações do ano, não nos garantindo as condições ideais para um levantamento de dados para estudos urbanos. Sempre devemos situar em que condições os dados foram levantados, o que gera dados em diferentes tipos de tempo e dificuldades de comparação, embora já tenhamos, neste últimos cinco anos, idéia de onde estão as áreas mais quentes da cidade. Temos também carência de metodologia para analisar os dados levantados. A contribuição ao desenvolvimento de uma metodologia é um dos objetivos do projeto que desenvolvemos com a graduação em Florianópolis.

BIOCLIMA: Os eventos pluviais intensos que frequentemente assolam os estados do Brasil meridional provocam maiores problemas em áreas urbanas de municípios mais vulneráveis socialmente. Nesse sentido, pode-se dizer que no sul do Brasil existe uma indústria da enchente similar a indústria da seca na região nordeste do Brasil?

Em Santa Catarina temos um órgão de Defesa Civil satisfatoriamente organizado, principalmente pela contribuição da Profª Drª Maria Lúcia de Paula Herrmann que durante o desenvolvimento de sua tese de doutorado ajudou a organizar o arquivo de informações que havia. Posteriormente por meio de um projeto de pesquisa financiado pelo governo do estado de Santa Catarina foi desenvolvido um atlas de desastres naturais (2006) onde tais dados foram sistematizados em mapas acompanhados de textos explicativos, com base científica, para cada tipo de desastre natural. O objetivo na época era ir mais longe, realizar trabalhos de mais detalhes com mapeamento das áreas de risco e treinamentos da população, a partir de escolas e centros comunitários, para enfrentamento das situações de emergência e calamidade pública. Entretanto esses objetivos foram alcançados apenas em parte, sendo desenvolvida inclusive uma cartilha de apoio aos treinamentos, que foi utilizada em umas três oportunidades. Um trabalho deste tipo teria que envolver muito mais gente do que um pequeno grupo de pesquisa como tínhamos, que necessitaria de uma dedicação impossível para docentes e discentes de uma universidade, que têm muitas outras atividades a serem cumpridas. Como parte do esforço de enfrentar os desastres naturais foi realizado levantamento e descrição dos fenômenos e parte de nossa equipe começou a acompanhar os oficiais da Defesa Civil para a execução dos laudos que consubstanciam a liberação de auxílio financeiro para os municípios atingidos. Havia mesmo uma desconfiança de um uso do desastre para obtenção de aportes extra ao orçamento dos municípios. Atualmente há também uma aproximação entre a Defesa Civil e o Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina, o que implica em melhores laudos sobre os desastres naturais. Na catástrofe do Vale do Itajaí em 2008, o departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina, assim como outros órgãos, também participou na execução dos laudos o que os qualificou, entretanto a destinação do dinheiro que foi enviado em função destes laudos não foi tão transparente. Há muita gente ainda hoje vivendo em containeres ou em abrigos e não se vislumbra uma real política que evite a volta das pessoas às áreas de risco.

BIOCLIMA: Em muitos estudos, os títulos dos trabalhos pressupõem uma hipótese dada como liquida e certa. Como se fosse possível provar algo antes de realizar o experimento. Por conta disto, o termo clima urbano, vem sendo vulgarizado ao extremo. Em alguns casos, trabalhos que realizaram um experimento, afirmam que a cidade em análise tem clima urbano. Apesar do interesse pelo estudo do clima da cidade estar aumentando gradativamente, equívocos no uso de certas terminologias vão se perpetuando. Nesse sentido, a pergunta é: Quais são as condições ou fatores que devem ser elencados para se chegar a conclusão que uma cidade tem clima urbano?

A banalização dos estudos de clima urbano é hoje a mesma dos estudos de mudanças climáticas. Muita gente tem trabalhado esses temas como parte de um modismo que ademais oferece possibilidades de financiamentos. Outro problema é a necessidade criada pelos órgãos de fomento de uma produtividade em publicação. Hoje não se publica como conseqüência e sim como causa. Quem dá parecer em comissões científicas de eventos ou revistas sente essa tendência. Qualquer idéia de projeto de pesquisa é submetida como artigo para publicação. A possibilidade de aplicação de um modelo é apresentada como metodologia e as conclusões apresentam as hipóteses. Algumas vezes sequer o título do artigo é desenvolvido no corpo do artigo, afinal tudo é ainda um projeto, não uma pesquisa. Na primeira ou segunda fase os alunos já estão enviando resultados de trabalhos escolares como artigos para eventos internacionais como o EGAL. Estas atitudes algumas vezes têm a conivência dos colegas, mas a verdade é que há uma epidemia de produtivismo bibliográfico que acomete desde os recém ingressantes na graduação e na pós até nós professores.

Penso que para começarmos a ter conclusões válidas sobre os climas urbanos é necessária uma abordagem multiescalar e baseada não apenas em registros de temperatura, umidade e outros elementos, mas também da relação entre estes e a circulação geral e regional da atmosfera, os usos e coberturas do solo, as densidades da população e edificação, áreas verdes, geometria das ruas e fachadas, nível socioeconômico dos habitantes, qualidade do ar, etc. Podemos ter resultados bastante diferentes se tomarmos dados em uma situação pré ou pós-frontal ou de antes e depois da urbanização de uma área natural. A circulação dos ventos de nordeste ou do quadrante sul pode tornar locais que em um dia são os mais quentes nos mais frescos no outro. O clima urbano não pode ser analisado como um componente de uma ciência exata é mais bem um componente de uma ciência social. Se medirmos a temperatura em uma segunda-feira, os resultados podem ser diferentes daqueles medidos em um domingo, quando as funções da cidade estão no mínimo minimizadas. Acredito que toda a cidade tem um clima urbano, pois todas têm fatores urbanos interatuando com a atmosfera, porém nossa obrigação, como pesquisadores, é determinar, onde ele é mais expressivo, onde compromete a qualidade de vida dos habitantes, que fatores o tornam inconvenientes para a saúde e bem estar da população. Assim poderemos reivindicar nosso papel no ordenamento territorial de nossas cidades.

BIOCLIMA: No estudo desenvolvido em seu doutorado para a conurbação de Florianópolis, qual é o papel da brisa marinha na configuração do campo térmico da ilha de Santa Catarina e/ou no município de Florianópolis?

Com a pesquisa de campo que venho desenvolvendo desde 1999 em Florianópolis e região não tenho dúvidas do papel da brisa marinha na configuração do campo térmico. Por um lado o papel do mar é sempre de um regulador térmico, porém a umidade relativa do ar é um dos mais importantes fatores do conforto térmico. Florianópolis é uma cidade espremida entre o mar e as serras costeiras. E também uma cidade que nos últimos 50 anos se verticalizou e se adensou fortemente, tem uma frota de veículos de quase um automóvel por habitante. O mar está sendo isolado do interior da cidade por um verdadeiro paredão de edifícios. Com isso nos isolamos da brisa e nos enclausuramos numa sauna cuja umidade média durante o ano é de 80% e que nas tardes de verão chega a 100%. Ou seja, assim como em outras cidades, não planejamos a urbanização para aproveitar as amenidades da região, como a brisa do mar, no caso de Florianópolis. Não aproveitamos o papel dos vales como canalizadores das brisas frescas, criamos com as edificações túneis de vento, somamos ao relevo barreiras para a inversão da direção dos ventos, não tirando proveito das diferenças de altitude. Os edifícios altos preenchem as planícies sombreando os relevos inclinados e aumentando a umidade nas vertentes que recebem menor insolação. Os usos e ocupação da terra, baseados em critérios puramente econômicos, inibem o papel das amenidades climáticas levando ao maior consumo de energia para o condicionamento do ar.

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